O talento que busca a perfeição: qual o limite de Pogacar?

Se a história das Grandes Voltas nos diz que estamos na presença de um dos gigantes do presente e do futuro, os Monumentos não ficam atrás. Desde que participou pela primeira vez, na Liège-Bastogne-Liège de 2019, Tadej Pogacar conquistou nove Monumentos: duas Flandres, três Lièges e quatro Lombardias. Até ao momento, o esloveno ocupa a terceira posição no quadro de ouro, empatado com Costante Girardengo, Fausto Coppi e Sean Kelly. À sua frente estão Roger de Vlaeminck (11) e Eddy Merckx (19) os únicos que venceram os cinco Monumentos. Nesse capítulo, Pogacar tem ainda que triunfar na Milão-Sanremo e na Paris-Roubaix, sendo que, caso volte a vencer a Lombardia no final do ano, vai isolar-se no terceiro lugar dessa lista.
Falar de Tadej Pogacar em 2025 é falar de uma comparação com o canibal Eddy Merckx, que é considerado por muitos, quase de forma unânime, o melhor ciclista de todos os tempos. Os dados estão à vista e mostraram que, aos 26 anos, o esloveno não está assim tão longe do nível do belga, bem como de Bernard Hinault. Olhando às vitórias em Grandes Voltas, Pogacar tem as mesma cinco de Merckx, que se dividiam entre três Tours e dois Giros. Contudo, Tamau leva a melhor em vitórias de etapas, com 30, contra as 28 do canibal. Ainda assim, a tendência cai para o lado de Merckx nos Monumentos, já que o belga somava dez conquistas (contra nove), com a particularidade de, aos 26 anos, ter vencido em quatro corridas diferentes e de, nesse mesmo ano, já com 27 anos, ter completado os cinco triunfos. Aos 26 anos, Hinault era o único que já tinha vencido as três Grandes Voltas, embora com uma vitória a menos no total (quatro). O francês tinha 19 vitórias de etapas e “apenas” três Monumentos. Curiosamente, o três já se tinham sagrado campeões do mundo de fundo.
Depois de, em 2024, Pogacar ter rubricado uma temporada de sonho, com 25 vitórias, um Giro, um Tour e o título de campeão do mundo. Replicar um ano quase perfeito era uma missão complicada por si só. Perante isso, o esloveno, juntamente o seu treinador, o espanhol Javier Sola, e o coordenador de desempenho, Jeroen Swart, implementaram algumas pequenas mudanças na sua preparação, com vista à sua progressão e a manter o efeito vitorioso. Para já, pode-se dizer que as mudanças continuam a trazer resultados. “Ainda posso melhorar. A minha experiência continua a crescer”, antecipou Pogacar logo em dezembro, durante um estágio de altitude em Espanha. A frase deixava antecipar que, apesar da procura por novos objetivos, a sua ambição continuava no topo.
Na verdade, a melhoria do esloveno começou em há quase dois anos, quando Iñigo San Millán abandonou a Emirates e deixou Tadej “órfão” de treinador. Foi aí que entrou em cena Javier Sola, responsável pela preparação de Pogacar – e de João Almeida –, que deixou para trás os treinos de volume de zona 2 – onde consegue empregar entre uns estratosféricos 320 e 340 watts por quilo — e optou por aumentar a intensidade dos trabalhos do atleta, principalmente na primeira fase da temporada, dado o foco nas clássicas. Com base nesse objetivo e na “obsessão” por conquista a Milão-Sanremo e a Paris-Roubaix, Sola aumentou o trabalho de força do esloveno no ginásio, com vista a afinar ainda mais a sua composição corporal, ganhando músculo e ajustando os seus níveis de gordura que, naturalmente, são baixos. Quem trabalha com Pogacar na Emirates diz que a sua carga de trabalho só é possível por se tratar de um atleta com uma grande capacidade de recuperação e de reter talento, bem como um elevado nível de profissionalismo, que precisam até de ser bem doseados para não haver excessos. São essas capacidades que tornam Pogacar competitivo do início ao fim da época, durante várias temporadas.
Para além de tudo isso, outra mudança na preparação efetuada por Sola foi a adaptação ao calor, com vista a melhorar a prestação do esloveno em dias quentes, como acontece em grande parte das etapas da Volta a França, e a aproveitar os efeitos do aumento de resistência e de hemoglobina no sangue, que acontecem com a exposição ao calor. Nesse sentido, Tadej Pogacar, que diz preferir os dias quentes aos chuvosos, começou a usar um sensor de temperatura no corpo, que permite monitorizar os seus valores. O esloveno apareceu ainda em 2025 com uma nova bicicleta, a Colnago Y1rs, que foi desenvolvida por si em conjunto com a marca que patrocina a sua equipa. Os equipamentos da Pissei também são desenvolvidos ativamente por Pogacar, para que nenhum detalhe possa afetar o seu desempenho rumo à perfeição.
“Não fizemos mudanças significativas. Obviamente, ele tem um bom histórico. Basicamente, introduzimos um pouco de treino de força no ginásio. Além disso, ele melhorou a sua composição corporal em comparação com os outros anos. Acho que ele ainda pode melhorar um pouco, mas não posso prever o quanto. Não tenho uma bola de cristal. Não é nada louco. Provavelmente fizemos um pouco mais de [treinos de] alta intensidade em alguns períodos. Também acho que o treino de força – em cima e fora da bicicleta – foi fundamental para ele. Tentámos implementar um pouco mais de intensidade para as clássicas. Vamos ver se ele consegue administrar a carga e continuar a progredir. É um processo. Melhoramos algo todos os anos”, explicou Sola, em entrevista.
“O Tadej é incrivelmente profissional. Ele segue o plano e faz o trabalho esperado. Algumas vezes, ele está entusiasmado e temos que segurá-lo um pouco, mas a realidade é que, frequentemente, faz tudo certo. Ele tem uma capacidade incrível de treinar, recuperar-se e adaptar-se. Comparado com outros ciclistas, ele é capaz de assimilar muito mais carga numa taxa tão rápida, que é capaz de atingir a forma máxima muito rapidamente, mas também atingir essas performances fenomenais. Isso é algo que acontece uma vez numa geração. O treino com calor é uma área que evoluiu significativamente em termos de pesquisa no último ano, com dezenas de estudos focados exclusivamente nesse tema. Nós implementamos essa prática com grande sucesso”, disse, por sua vez, Swart.
How to train like a pro during off season, ???????? Tadej Pogacar edition ???? pic.twitter.com/VRCrbQbE7Q
— Domestique (@Domestique___) December 4, 2024
Tadej Pogacar é o principal ciclista da atualidade, por tudo aquilo que já conquistou e por aquilo que apresenta sempre que sobe para a bicicleta. O esloveno mudou a forma de correr e é a figura de uma geração que não tem medo de atacar em qualquer circunstância, faltem 70, 80 ou até 100 quilómetros para a chegada. Esse é, provavelmente, o melhor elogio que lhe podemos fazer, mais ainda se tivermos em conta que, na última década, Chris Froome e Nairo Quintana protagonizaram os maiores duelos da Volta a França, com um ciclismo altamente racional, baseado em números e com poucos ataques. O futuro do campeão do mundo promete ser promissor e tem potencial para alcançar grandes feitos na modalidade.
No que concerne aos Monumentos, a Milão-Sanremo e a Paris-Roubaix, são, sem dúvida, o calcanhar de Aquiles de Pogacar. É certo que estamos a falar de duas provas que pouco se adequam às suas características… mas, afinal, quais são as verdadeiras características? Tadej apareceu no ciclismo como um corredor franzino e que iria ser incapaz de lutar por provas por etapas. Cresceu e chegou ao nível World Tour como um corredor de Grandes Voltas. A partir daí, adaptou-se, começou a lutar por corridas de um dia – que diz ser a sua preferência – e, atualmente, ombreia com os melhores do mundo em qualquer terreno, conseguindo ganhar sprints aos homens mais rápidos na Milão-Sanremo e fazer frente a Mathieu van der Poel no seu terreno predileto. O futuro próximo vai passar, certamente, pela tentativa de conquistar essas duas provas e fechar o lote de Monumentos, onde também quererá, certamente, superar as 19 vitórias de Eddy Merkcx. Para já, está a duas Volta a Flandres, a três Liège-Bastogne-Liège e a duas Lombardias de liderar, isolado, o topo das listas.
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