Seguro: entre a Instituição e o Caráter

Em todas as democracias maduras, o papel do Chefe de Estado é simultaneamente simbólico e operativo, sendo o ponto de convergência entre a legitimidade e a ética, entre o Estado e a cidadania. No caso português, a Constituição consagrou um modelo semipresidencialista singular, que faz do Presidente da República não apenas um árbitro das instituições, mas um garante ativo do regular funcionamento democrático. Essa função, porém, tem sido, ao longo dos últimos anos, ora reduzida a um papel decorativo, ora distorcida por excessos de intervenção opinativa. E é precisamente neste desequilíbrio que reside uma das fragilidades do nosso sistema político.
A vitalidade das democracias depende da existência de freios e contrapesos institucionais, mas também de figuras de referência que saibam exercer a autoridade sem hegemonia, e a presença sem protagonismo. O Presidente da República portuguesa não deve procurar governar, mas influenciar; não deve legislar, mas enquadrar; não deve executar, mas arbitrar. A sua força deve ser a força da palavra, do tempo certo e da prudência republicana. Contudo, nas últimas décadas, esse papel tem sido enfraquecido por dois vícios antagónicos: a banalização da palavra presidencial e a omissão política disfarçada de neutralidade.
Nos últimos anos assistimos, em demasiadas ocasiões, à transformação do Presidente da República num comentador institucional. A exposição mediática constante, a diluição do silêncio ou da palavra estratégica e a tentativa de ocupar o espaço do Governo em matéria política, e até social, contribuíram para corroer a autoridade da função. Em vez de árbitro, o Presidente da República tentou tornar-se, constantemente, parte do jogo; e em vez de magistratura de influência, instalou-se uma estranha e desadequada magistratura de opinião. Nessa medida, a palavra do Presidente da República deixou de pesar, porque passou a ecoar diariamente, sem reserva, sem gravidade e sem substância política.
Paradoxalmente, quando o país passou a enfrentar momentos de tensão institucional ou de degradação ética e governativa, a mesma voz que outrora se impunha tornou-se hesitante. A omissão perante a crise da confiança pública, a complacência com práticas desvirtuadoras da governabilidade – e que alteraram claramente o cenário político em Portugal com base na opacidade e no vazio -, e o silêncio perante sinais de promiscuidade entre política e interesses particulares, revelaram um desvio preocupante. O Presidente da República, em nome de uma suposta estabilidade, tem preferido a passividade e a complacência à exigência, esquecendo o papel do equilíbrio entre transparência, responsabilidade e autoridade moral.
De facto, Portugal vive hoje um tempo em que a democracia se mostra fatigada, e o descrédito da política ameaça transformar-se em desilusão cívica. O populismo cresce onde o Estado se retrai e onde as instituições parecem impotentes ou cúmplices. Por isso, mais do que nunca, o país precisa de um Presidente que reabilite a confiança e o sentido coletivo de um país. Um Presidente que, sem ser governo, garanta que o governo não se sobrepõe à República. Um Presidente que não tema exercer o seu poder moderador, nem abdique de ser o espelho da ética pública.
No meu ponto de vista, a função presidencial exige, por isso, três virtudes maiores: independência, decência e prudência. i) Independência, para se manter equidistante dos interesses partidários e dos cálculos táticos que, por vezes, minam a credibilidade e a independência das instituições; ii) Decência, porque o exemplo moral é o primeiro ato político de qualquer chefe de Estado; e iii) Prudência, porque a palavra presidencial é uma reserva estratégica e não um instrumento banal do quotidiano. É nesta base tripartida que repousa a autoridade da República, e é precisamente nela que temos falhado.
É neste contexto que a candidatura de António José Seguro adquire, no meu ponto de vista, uma relevância singular. Seguro representa uma ideia de Estado que se perdeu: a de que a política é serviço, e não carreira; de que o exercício de poder deve estar subordinado à decência e à verdade; e de que a lealdade à democracia se mede mais pela ética do que pela conveniência e pela assiduidade mediática.
António José Seguro tem uma biografia limpa, mas experimentada, assim como uma palavra ponderada – algo que hoje se revela raro dado o paradigma político nacional. Foi leal nos momentos difíceis, recusou o populismo fácil e manteve-se fiel a uma visão humanista da política, mesmo quando o oportunismo lhe teria sido mais rentável – depois de o ter enfrentado. Ao contrário de tantos outros, não precisou de reinvenções mediáticas para ocupar ou regressar ao espaço público, tendo lhe bastado o respeito silencioso que granjeou junto dos cidadãos e a credibilidade que construiu fora dos holofotes ou na academia.
A sua candidatura não é apenas a de um Homem, mas a de um ideal, nomeadamente o de que o Presidente da República deve ser o garante do patriotismo, do equilíbrio, da sensatez e da transparência, assim como o promotor do diálogo interpartidário e o guardião da coesão social. Numa época em que a crispação e o tribalismo político substituíram o debate de ideias, António José Seguro simboliza a possibilidade de regresso à moderação como força transformadora. Não uma visão de prossecução do medo, do populismo e do divisionismo, mas a do equilíbrio e da coragem cívica.
Portugal precisa de um Presidente da República que devolva dignidade à palavra e sobriedade à política, e que saiba distinguir o essencial do efémero, o interesse público da manobra partidária, o exercício da autoridade do abuso da influência. Um Presidente que una sem diluir, que intervenha sem dominar, e que simbolize e honre a República pela via do diálogo construtivo e institucional.
É nessa medida que o que está em causa nas próximas eleições presidenciais não é apenas uma escolha pessoal, mas uma escolha de regime, nomeadamente entre i) a continuidade de um género presidencial que se tornou desprovido de densidade e dignidade institucional; ii) o surgimento de estilos presidenciais populistas ou pautados por valores reacionários; e iii) o renascimento de uma magistratura presidencial que inspire confiança, equilíbrio e responsabilidade a um país em decadência moral e política. António José Seguro encarna, pois, a única escolha que permitirá reconciliar a ética e a decência com a política, e a possibilidade de fazer novamente do cargo de Presidente da República o coração moral e norteador da democracia portuguesa.
observador



