O exemplo como primeira aula

A educação é, antes de mais, um encontro de almas. Iludimo-nos quando acreditamos que ensinar consiste em despejar conceitos sobre cabeças jovens, como quem deposita água num vaso vazio. O ser humano não é recipiente: é chama que se acende no contacto com outra chama. E a centelha que inflama não é a da palavra nua, mas a da vida vivida. Neste sentido, o professor não é pode ser transmissor de saberes: é a encarnação de uma possibilidade de existir. A cada passo que dá, a cada gesto que executa, está a dizer, sem palavras, o que significa ser justo, perseverante, curioso, verdadeiro. A sua lição maior não é a que prepara com livros e apontamentos, mas a que se derrama do seu próprio modo de estar no mundo.
O aluno, consciente ou não, julga a disciplina pela carne do professor que a ensina. A matemática pode ser árida, mas ganha luz se for vista em olhos que brilham diante de um problema resolvido. A história pode parecer longínqua, mas ganha vida se narrada por quem nela descobre uma ordem secreta do destino humano. Até a filosofia, tantas vezes reduzida a abstração, só se torna viva quando o mestre a encarna como modo de respiração. Não é, pois, suficiente que o professor conheça o conteúdo da sua matéria. É necessário que viva em consonância com aquilo que ensina. Caso contrário, a sua palavra ressoa vazia, como bronze que tine. Porque não há argumento capaz de suplantar a autoridade discreta de um gesto coerente. Nenhum raciocínio pode competir com a serenidade de quem vive em fidelidade àquilo que professa.
Os antigos sabiam-no. Sócrates não se limitava a falar de virtude: caminhava pelas ruas de Atenas como figura viva da inquietação filosófica. E os seus discípulos, mais do que as definições, herdaram-lhe a coragem de pensar contra todos. Assim também o professor contemporâneo, ainda que cercado por manuais e programas, transmite, acima de tudo, a sua atitude diante da verdade.
Eis o segredo silencioso da educação: o aluno aprende menos pelo ouvido do que pelo olhar. Aprende na constância com que o professor se entrega à sua vocação, aprende na paciência com que escuta, aprende na firmeza com que exige, mas também na ternura com que acolhe. Cada gesto é já doutrina; cada silêncio é já magistério. Por isso, a maior responsabilidade de quem ensina não é a de falar, mas a de ser. Tudo o que não se encarna, perde-se. Só aquilo que passa da boca ao gesto, do conceito à conduta, permanece. E é nesse permanecer que o mestre se torna inesquecível: não pelo conteúdo que transmitiu, mas pela vida que testemunhou.
Afinal, ensinar é sempre convidar outro ser humano a ser mais do que é. E esse convite não se faz por decreto, nem por exortação, mas por testemunho (daí a raiz da palavra professor e da palavra profeta ser a mesma). Não existe, em rigor, outra via. Tudo o resto (o discurso brilhante, a técnica apurada, a retórica cativante) não passa de ornamento. A verdadeira lição é a vida mesma do professor.
observador