"Eu cresci sem pai e a minha mãe era empregada de limpeza"

Do Bairro da Cruz Vermelha a alfaiate dos famosos, alguma vez sonhaste que isto podia acontecer?
Nunca [pausa]. Eu cresci sem pai e a minha mãe era empregada de limpeza, portanto as condições não eram boas. Em Espanha, pagavam mais do dobro do que aquilo que se recebia aqui nos anos 80 e a minha mãe decidiu levar-me com ela para Madrid. Estive lá dos oito aos nove anos.
Gostaste?
Não [sorriso]. Lembro-me de dizer à minha mãe que não queria, porque sempre fui um miúdo de bairro. Tinha os meus primos, era uma família com liberdade total. Eu dizia, “Mãe, eu adoro-te, mas eu quero ir para o pé da família. Eu respeito, queres continuar cá para poder dar umas condições melhores, tanto para mim como para ti, mas eu quero ir para o pé dos primos e para o pé das minhas tias”. E foi isso que aconteceu. A minha mãe juntava as folgas todas para depois vir cá ver-me. Vinha de camioneta e era uma eternidade para cá chegar. Mas a minha vida até ser adulto foi feita dessa forma.
Com o que é que sonhavas em miúdo?
[pausa] Lembro-me daquela conversa de que toda a gente queria ser polícia, bombeiro, astronauta, e eu só dizia que queria ser feliz. Também sempre fui um miúdo com muita responsabilidade, talvez por a minha mãe estar fora. Quando fazíamos as nossas traquinices, eu ia, mas tentava não fazer, porque pensava que a minha mãe ia ficar chateada comigo. O meu bairro era muito pequeno para aquilo que eu achava que queria ser, lembro-me disso perfeitamente.
E que bairro era esse? Porque era um bairro, obviamente, com todos os preconceitos associados. Mas não era só fama.
Não, tinha algum proveito também [sorriso]. Sabes que, às vezes, as oportunidades, quando não surgem, levam as pessoas a optarem por outros meios de sobrevivência…
É uma questão romantizada, essa, também porque há alguns que não querem.
Obviamente, mas tu cresces naquele meio e sentes que o teu padrão de futuro é aquele. Mas eu achava que queria mais para lá do bairro. Uma das coisas que me marcou muito foi a minha ida para a tropa. Lembro-me de ter ido revoltado, a perguntar o porquê de eu ter ido e ainda por acima era aquele menino que me portava bem. Foram seis meses de tropa em Elvas, que me fez desapegar do bairro. Lembro-me que quando cheguei da tropa, rapidamente quis ir trabalhar, porque me inscrevi num curso superior, mas vi que não dava e que tinha de ser uma faculdade privada.
Querias fazer que curso?
Desenho industrial. É engraçado porque eu estava numa turma de artes, em que 11 alunos queriam seguir a área da moda, e havia um marreta que não queria, que era eu.
Texto: Nuno Azinheira; Fotos: Nuno Moreira
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