Perder peso não é um simples antes e depois

Antes: 74 kg. Depois: 59 kg. Antes: Tamanho 44. Depois: Tamanho 36. Antes: Eu escondia meu corpo. Depois: Me sinto livre.
Frases como essas inundam as redes sociais e até mesmo alguns fóruns médicos, apresentando a perda de peso como um simples "antes e depois", como se todo o processo fosse reduzido a fotos comparativas e números na balança. Mas por trás dessas narrativas supostamente inspiradoras reside um problema sério: padrões irreais são impostos e sabotam a saúde física e emocional dos pacientes. Plataformas como Instagram, TikTok e YouTube estão repletas de "transformações" corporais, protocolos rápidos e dietas extremas apresentadas como soluções universais. Esse fenômeno não afeta apenas a população em geral, mas também é, infelizmente, reforçado por mensagens de alguns profissionais de saúde que perpetuam padrões irreais e reducionistas.
A literatura científica demonstra que a exposição constante a ideais corporais inatingíveis leva à insatisfação com a própria imagem e a um maior risco de transtornos alimentares. Uma meta-análise publicada na revista Body Image (2022) confirma que o consumo intensivo de conteúdo sobre cultura fitness e dieta está associado a comparações sociais frequentes, baixa autoestima e maior probabilidade de comportamentos compensatórios prejudiciais à saúde.
No ambiente clínico, essa pressão se traduz em pacientes que chegam às consultas frustrados por não estarem alcançando mudanças "visíveis" no mesmo ritmo que as mídias sociais retratam. A perda de peso , um processo multifatorial que envolve genética, metabolismo, ambiente e hábitos, é simplificada em uma narrativa linear: comer menos e se exercitar mais. Essa simplificação ignora a complexidade fisiológica e emocional por trás de cada indivíduo.
Parte do problema reside no fato de que, dentro do próprio setor da saúde, alguns colegas replicam essas narrativas em busca de relevância digital ou por desconhecerem o impacto psicológico que geram. A promoção de "protocolos milagrosos" ou comparações entre pacientes (por exemplo, "se ela conseguiu, você também consegue") não só desumaniza o processo clínico, como também cria expectativas irreais.
A medicina baseada em evidências reconhece que a velocidade e a magnitude da perda de peso variam dependendo de fatores como resistência à insulina, microbiota intestinal, comorbidades, uso de medicamentos, histórico alimentar prévio e até mesmo a qualidade do sono. Ignorar esses determinantes para homogeneizar os resultados é cientificamente impreciso e eticamente questionável.
O fenômeno da comparação constante tem consequências clínicas claras: abandono do tratamento, culpa, ansiedade e sensação de fracasso. Um estudo publicado na Obesity Reviews (2021) mostrou que pacientes expostos a padrões de peso rígidos nas redes sociais apresentaram menor adesão aos planos nutricionais e maior probabilidade de cair no ciclo de "rebote da dieta".
Além disso, a exposição repetida a estímulos comparativos ativa circuitos relacionados à recompensa e ao estresse, como o eixo HPA (hipotálamo-hipófise-adrenal), o que aumenta a liberação de cortisol e pode promover o acúmulo de gordura visceral, perpetuando o ciclo vicioso.
Como médicos e nutricionistas, é fundamental contrabalançar essas narrativas. O foco deve estar em processos sustentáveis, saúde metabólica e bem-estar geral, em vez de métricas estéticas rápidas. Promover educação nutricional baseada em evidências, destacar a diversidade corporal e explicar as razões científicas para a variabilidade nos resultados são estratégias essenciais para desmantelar padrões irrealistas.
Os padrões de perda de peso que dominam as mídias sociais , amplificados até mesmo por alguns colegas médicos, representam um verdadeiro obstáculo para os pacientes. A ciência nos lembra que cada processo é único e que a comparação constante corrói a adesão e a saúde mental. Nossa responsabilidade profissional é clara: fornecer aos pacientes uma estrutura de referência realista, humana e cientificamente sólida.
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